segunda-feira, 18 de novembro de 2013


ANA

Já deveria estar dormindo, mas tudo que conseguia fazer era rolar na cama. Olhava para o teto, para o abajur, para a cômoda e depois para o teto de novo. Não conseguia tirar a angústia que sentia de seu corpo e a nova manhã demorava uma eternidade para chegar.

Ouviu o leve miado de seu gato e decidiu levantar para abrir-lhe a porta. Talvez com o gato fora do quarto conseguisse dormir. Não dormiu.

Olhou para o relógio, àquela hora Ana dormia tranquilamente em sua cama macia, os grandes olhos verdes fechados no meio da escuridão.

No fundo, sabia a origem daquele sentimento sufocante, mas não queria encarar a verdade assim, de pronto. Viu um clarão pela janela e percebeu os pingos na vidraça. Talvez a chuva ajudasse. Não ajudou. Será que Ana percebia a chuva?

Teve que pensar, não podia mais fugir: ia rever Ana no dia seguinte. Passara-se um mês desde que olhara para o rosto oval e dissera: “Adeus”. Pensou que nunca voltaria aquele lugar. Deixara uma parte de seu coração.

Quando chegou a casa naquela tarde, sua mãe comunicou-lhe que voltariam. Por um instante seu coração parou: iria até Ana. Não jantou e foi cedo para a cama, queria que tudo passasse de uma vez. Mas o sono não vinha, mesmo tendo a meia-noite ficado para trás há muito.

Foi ao banheiro e acabou olhando-se no espelho. Seu reflexo mudara muito, já não o reconhecia mais. Era um estranho que o olhava de dentro do espelho.

Novamente na cama, voltou ao passado e ouviu a voz de Ana chamando seu nome. Voz doce e um pouco fina, sempre fitando a todos com os grandes olhos verdes, olhos que exprimiam todos os sentimentos do mundo e podiam ler nas almas o que acontecia com as pessoas.

Finalmente o relógio marcou seis horas e sentiu-se o cheiro de café pela casa. Hora de se preparar.

Colocou a roupa que achou ser a mais adequada. Preferiu não olhar para o espelho.

Foi até a cozinha e a mãe já estava lá. Sentaram-se, ambos em silêncio, para o desjejum. A expressão sombria da mãe o assustava.

Queria quebrar o silêncio, mas não sabia como. Acabou perguntando: “Acha que Ana vai nos ver, nos perceber?”. Recebeu apenas silêncio e algumas lágrimas como resposta.

Ajudou a mãe com a louça e saíram. Mais silêncio.

Chegaram e olharam. Não era mais possível conter as lágrimas: de dentro da pequena foto, Ana fitava-os com seus grandes olhos verdes. Só agora media a saudade que sentira dela.

Deu-lhe as flores que comprara especialmente para ela. Violetas eram as suas preferidas.

Amparando a mãe, disse um novo adeus a Ana. E novamente pensou que não voltaria aquele lugar. Mas um pedaço de seu coração continuaria ali.

Entregou um lenço para que a mãe enxugasse as lágrimas. Ela comunicou-lhe que voltariam no ano seguinte. Teve uma sensação de pânico, mas conteve-se. Precisava conter-se.

Aquele fora o primeiro, mas não seria o último dia de finados a passar com Ana. E foram se afastando lentamente, enquanto a chuva recomeçava. Mas não sentiam os pingos de chuva, tudo o que sentiam era que grandes olhos verdes os fitavam do céu.
Fabiana
São Paulo, 24/08/2004

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