quarta-feira, 27 de novembro de 2013

DA ARANHA 2
Já citei antes meu problema com aranhas e, por isso, parece que elas me perseguem.
Num desses episódios, cheguei da faculdade por volta das 19horas, guardei minhas coisas e fio para o banho. Era um dia quente e eu não via a hora de me refrescar.
Estava no processo de enxague do cabelo, quando senti algo cair na minha cabeça.
Sabe aquele momento em que você tem um microenfarto de susto? Pois é.
A primeira coisa que me ocorreu foi colocar toda a cabeça debaixo do chuveiro e foi o que fiz. Após alguns segundos não senti mais nada e achei que meu problema estava resolvido. Nem fiquei filosofando muito sobre o que poderia ser, já não importava mais.
Mais algum tempo se passou e, para meu terror, sinto patas peludas na minha orelha. Paralisada, em pânico, passei pelo maior dilema da minha vida: retiro esse bicho com a mão ou deixo aí, enquanto procuro algo que possa usar para tirá-lo, correndo o risco dele entrar na minha orelha.
A possibilidade de uma criatura, qualquer que fosse, dentro da minha orelha me venceu: agarrei com a mão o ser e joguei no chão do banheiro.
Olhei para o chão no box e vi uma aranha preta, peluda, do tamanho de uma bola de algodão.
Saí correndo do box, gritando a plenos pulmões. Quando estava na porta, me preparando para chamar alguém, me lembrei que estava nua.
Com cautela, fui até o banheiro, vi que a aranha se encontrava no mesmo lugar, me enrolei na toalha e saí.
Neste momento, fiz o que qualquer pessoa sensata faria: liguei para minha mãe (sei o que vocês estão pensando). Ela me orientou a pegar o veneno de matar baratas e matar a aranha. Ela ficou no telefone para me dar apoio moral. Usei quase todo o veneno, mas consegui.
Joguei o cadáver fora, me despedi de minha mãe e terminei o banho.
Mas a lição que fica é: meus vizinhos não se importam que eu morra ou seja torturada, já que gritei desesperadamente e ninguém veio saber o que acontecia. Ou, vai ver, havia aranhas nas casas deles também...
Fabiana

Jaguariúna, 16/11/2013.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A ESTANTE
O brilho em seus olhos era evidente, o sorriso ia de orelha a orelha, seu entusiasmo era transbordante.
Nunca imaginou que fosse conseguir. Sempre adorou ler, mas aqueles gibis e livrinhos infantis acabavam tão rápido...
Ensaiou durante dias até que, finalmente, juntou coragem e pediu aos pais permissão para ler os livros da estante da sala. A grande estante que povoava seus sonhos e seus desejos.
Seus pais também sempre gostaram de ler e acumularam uma boa quantidade de livros ao longo do tempo. E estavam todos em uma grande estante na sala de estar. Quando começou a ler, disse a eles que queria ler todos os livros da estante, ao que eles responderam: “ainda é cedo, você não vai conseguir entender. E há coisas que não são para sua idade. Um dia você poderá ler todos, mas ainda não, a hora certa vai chegar.” Agora, ela torcia para que fosse a hora certa.
Os pais debateram o tema e concordaram que ela podia ler os livros, mas precisava entender as coisas por ela mesma: pensar, olhar no dicionário... Não deveria interromper os pais o tempo todo.
Eles não tiveram que repetir. Ela aceitou as condições prontamente e saiu saltitante.
Finalmente ficou frente-a-frente com a estante. Maravilhada, olhou para a grande estante. Tantos livros e ela podia ler qualquer um. Qualquer livro que quisesse! Por onde começar?
Todas aquelas lombadas coloridas enfileiradas, tão convidativas...
Ficou nas pontas dos pés, sentindo-se uma gigante no alto de seus 10 anos de idade, passou o dedo indicador por vários livros, até parar em um de capa branca com letras azuis. Definitivamente, aquele seria o primeiro.
Colocou-o sobre sua cama e começou os preparativos para o grande evento: trouxe o dicionário, uma garrafinha de guaraná, um saquinho de pipocas e fechou a porta do quarto.
Sentou-se na cama e usou o travesseiro de apoio para recostar-se.
Ainda sorrindo, só conseguia imaginar que aquele era o começo de uma grande aventura.
Abriu o livro e iniciou a leitura.
Fabiana

Jaguariúna, 16/11/2013.

sábado, 23 de novembro de 2013


A QUEDA

Sempre usei transporte público e o ônibus era o mais comumente procurado.

Na época do colégio, meu trajeto para casa durava uma hora de ônibus e algumas amigas pegavam o mesmo ônibus que eu.

Numa sexta-feira, não tivemos a última aula e foi com um gigantesco entusiasmo que saímos mais cedo.

Como sempre, iniciou-se a espera pelo ônibus enquanto conversámos sobre os planos para o final de semana.

Finalmente o ônibus chegou e eu fui a primeira a entrar, com minhas amigas me seguindo em fila indiana.

O motorista resolveu dar a arrancada antes que estivéssemos acomodadas. Eu estava pegando o passe na bolsa e, no susto, não consegui me segurar.

Dei dois passos para trás e caí sobre a colega que estava atrás de mim, ela fez o mesmo. Foi um autêntico efeito dominó, sendo que éramos cinco e a última caiu sobre o painel do ônibus.

Todos os presentes começaram a rir enquanto nós tentávamos nos levantar com o ônibus em movimento.

Cogitei pedir ao motorista que parasse o ônibus para que pudéssemos levantar com segurança, mas imaginei que ele não atenderia um pedido desses, principalmente considerando o quanto ele estava rindo da situação.

Ninguém se machucou de verdade, ficamos apenas “doloridas”.

Após levantar da melhor forma que conseguimos, passamos a catraca e nos sentamos. Claro que os olhares divertidos permaneceram até o final do trajeto e eu era a última a descer.

Mas, se não para mais nada, me serve hoje de recordação das aventuras da adolescência. E para sempre me lembrar  de me segurar no ônibus.

Fabiana

Jaguariúna, 16/11/2013.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013


Hoje resolvi fazer uma incurssão pelo mundo da poesia. Sempre gostei muito de poesia e acho uma forma de expressão incrível. E, afinal, a poesia faz parte de nossas vidas. Espero que gostem.


MEMÓRIAS

A foto antiga, o papel amarelado,

Um caderno velho, um brinquedo quebrado.

Tentando relembrar momentos,

Soprando o pó das memórias,

Resgatando lembranças e consensos.

E de vão em vão,

Por entre as tábuas do esquecimento,

Esgueirando-se e espremendo-se,

As recordações alcançam à luz,

Meu tempo,

Espalhando o cheiro de guardado,

Pó-de-arroz rosado,

Apagando o envelhecimento,

Tirando do baú o passado,

Meio roído de traças,

Manchado de chuva,

Um pouco gasto.

Tiro o mofo

E visto minha história,

Jogo a peteca pro alto,

Corro com o cachorro novo,

Faço a lição de casa

E paro quando minha mãe chama.

São tantos ecos evocados,

Antes engarrafados,

Agora livres em suas repetições,

Ultrapassando o muro de isolamento

Entre a época do ser e do fui.

De olhos fechados,

Me vejo no espelho de canto quebrado

Com o vestido feito a mão,

Cabelo preso num rabo,

Descalça andando no quintal.

Fecho a porta do agora,

Esperando que ele não volte, mas não venço.

Já vejo o pó se reacumulando,

Novas dobras e mais naftalina,

Tentando segurar entre meus dedos

Minha vida que se escoa para o mundo,

De gota em gota,

Até o horizonte dos tempos.

 

Campinas, 17/03/2008
 

BRINCANDO COM O PORCO

Numa de minhas viagens ao interior, para visitar familiares, tive uma idéia inusitada. Eu tinha 8 anos de idade.

Era fim de ano e meu tio estava engordando um porco. O bicho estava enorme, um macho arredio, que transitava pelo sítio livremente.

Na época, me lembro de observá-lo com grande interesse e curiosidade: aquela criatura roliça, imensa e rosada.

De certa forma, me sentia frustrada pois conseguia chamar a atenção dos outros animais (galinhas, cães, cavalos, vacas, entre outros), mas o tal porco não dava bola para nada e para ninguém, em seu andar soberano e rebolativo.

Por muito tempo fiquei filosofando sobre formas de chamar sua atenção, de brincar com ele, mas sem sucesso.

Numa tarde, ele passou por mim com seu desprezo habitual e eu tive o que parecia ser uma grande idéia: se ele não me dava atenção sendo eu boazinha, talvez se eu o irritasse desse certo.

Ele seguiu em direção ao pomar e eu o segui. Passei por minha tia que lavava louça no rio. Ela observou a cena de sua sobrinha seguindo o porco e perguntou o que eu estava fazendo, ao que eu respondi: “vamos brincar de pega-pega.”Percebi sua descrença, mas não me importei.

O porco estava comendo pêssegos caídos no chão, no meio do pomar. Me aproximei silenciosamente e apliquei nele o que conheço porpularmente como “sardinha”. Com os dedos indicador e médio em riste bati em sua retaguarda.

Não consigo expressar o ódio que vi em seus olhos quando ele me encarou. E não da para descrever seu guincho alto e agudo. Saí correndo desesperadamente com ele em meu encalço.

Passei por tia no trajeto, que continuava no rio, e tive a satisfação de ver seu espanto incrédulo ao perceber que o porco corria atrás de mim como se brincássemos de pega-pega.

Consegui entrar na casa e fechar a porta. O porco bateu na porta com força e gritou por algum tempo. Ao cabo de uma meia hora desistiu. Mais tarde saí e ele pareceu nem se lembrar do episódio, me ignorando completamente.

Foi uma aventura perigosa. E nunca expliquei a ninguém como brincar de pega-pega com um porco.

Fabiana

Jaguariúna, 16/11/2013.

terça-feira, 19 de novembro de 2013


HONESTIDADE

Trabalhando noite destas, fiquei observando uma criança. A menina devia ter 3 anos de idade, cabelo preso num rabo de cavalo e chupeta vermelha na mão.

Ela andava pelo corredor com uma das mãos na cintura, fazendo trejeitos estranhos com a boca, tentando piscar e mandando beijos. Parecia também tentar rebolar, mas seu pequeno trotar não permitia uma certeza nesse ponto.

Todos riam do jeito da criança, alguns acenavam, outros piscavam de volta e lhe mandavam beijos.

Achei o comportamento dela muito afetado, praticamente desfilando como uma miss, mas as crianças tem comportamentos estranhos às vezes.

Como eu a estava observando, a criança se aproximou, sorriu e mandou um beijo. Diante disso, achei que seria indelicado manter-me alheia ao caso, portanto resolvi interagir: sorri de volta e perguntei como ela se chamava. A partir daí, passamos a travar um diálogo, daqueles meio ensaiados com crianças: sua idade, se vai para a escolinha, se tem um irmãozinho... E todos os diminutivos apropriados nestes casos.

Quando já parecíamos amigas de longa data, enveredei por outro território. Comecei comentando que seu sapato era muito bonito, ao que ela imediatamente assumiu sua pose de miss e disse: “brigada”. Perguntei então onde ela havia aprendido a mandar beijos e, para minha surpresa, ela responde sem titubear: “Estou fazendo igual a mamãe quando vai ver os meninos lá na rua”. A mãe, uma jovem, aparentemente adolescente, até então calada e sentada em um banco próximo, levantou-se imediatamente e veio pegar a menina desculpando-se: “Meu Deus, quanta bobagem essa menina está falando!”. E sentou-se com a garotinha no colo, olhando fixamente para um ponto distante.

Olhei novamente para a mãe e não consegui conter uma risadinha. Não me entendam mal, não estou julgando a mãe. Apenas pensei em seu constrangimento. Tentei imaginar que tipo de conversa ela teria com sua filha em casa depois do acontecido. E acredito que ela tenha rezado para que eu não acreditasse na honestidade das crianças.

Fabiana

Jaguariúna, 05/10/2013.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013


Por que?

Num momento de tranquilidade, pus-me a pensar nesse questionamento.

Quando somos crianças ele é parte integrante de nossa existência. Ainda estou para conhecer uma criança que não tenha o porquê como lema de vida. E quando encontram um adulto que responda então, a lista dos porquês se torna infinita.

Ao longo do tempo, ele vai deixando de ser tão presente e vai se tornando mais esporádico, ficando reservado para momentos mais específicos, como na escola (onde é muito bem-vindo por sinal).

O que tenho notado, com certa tristeza, é que cada vez mais o porquê tem sido mais deixado de lado e em idade mais precoce.

Este questionamento é muito rico em vários sentidos. Já começa pela forma de escrita: que outro questionamento pode ser escrito de tantas formas diferentes? (por que, porque, porquê). Claro que, as vezes, a gente se confunde com a história do junto, separado, com acento, mas são maneiras diferentes de escrever a mesma ideias.

Além disso, a maior riqueza está na variedade das respostas. Refletindo, você percebe que qualquer coisa pode vir após um porquê. Desde: “porque 2 pontos definem uma reta”, até “porque eu não te amo mais”. Uma infinidade de informações e descobertas estão escondidas atrás de um porquê.

Por isso é uma pena que ele esteja caindo em desuso. Perde-se toda essa grandeza de aprendizado.

Há dias em que, por cansaço, dor, tristeza, ou por outra razão qualquer, você guarda ele lá no cantinho, para um momento mais propício. Mas é preciso lembrar que ele está lá, só esperando para voltar.

Porque as pessoas estão abandonando essa prática não sei. Só sei que os meus porquês estão aqui, prontos para serem usados. E eu tenho um bem intrigante neste momento: por que eu resolvi pensar sobre o porquê?

Fabiana

Jaguariúna, 09/11/2013

ANA

Já deveria estar dormindo, mas tudo que conseguia fazer era rolar na cama. Olhava para o teto, para o abajur, para a cômoda e depois para o teto de novo. Não conseguia tirar a angústia que sentia de seu corpo e a nova manhã demorava uma eternidade para chegar.

Ouviu o leve miado de seu gato e decidiu levantar para abrir-lhe a porta. Talvez com o gato fora do quarto conseguisse dormir. Não dormiu.

Olhou para o relógio, àquela hora Ana dormia tranquilamente em sua cama macia, os grandes olhos verdes fechados no meio da escuridão.

No fundo, sabia a origem daquele sentimento sufocante, mas não queria encarar a verdade assim, de pronto. Viu um clarão pela janela e percebeu os pingos na vidraça. Talvez a chuva ajudasse. Não ajudou. Será que Ana percebia a chuva?

Teve que pensar, não podia mais fugir: ia rever Ana no dia seguinte. Passara-se um mês desde que olhara para o rosto oval e dissera: “Adeus”. Pensou que nunca voltaria aquele lugar. Deixara uma parte de seu coração.

Quando chegou a casa naquela tarde, sua mãe comunicou-lhe que voltariam. Por um instante seu coração parou: iria até Ana. Não jantou e foi cedo para a cama, queria que tudo passasse de uma vez. Mas o sono não vinha, mesmo tendo a meia-noite ficado para trás há muito.

Foi ao banheiro e acabou olhando-se no espelho. Seu reflexo mudara muito, já não o reconhecia mais. Era um estranho que o olhava de dentro do espelho.

Novamente na cama, voltou ao passado e ouviu a voz de Ana chamando seu nome. Voz doce e um pouco fina, sempre fitando a todos com os grandes olhos verdes, olhos que exprimiam todos os sentimentos do mundo e podiam ler nas almas o que acontecia com as pessoas.

Finalmente o relógio marcou seis horas e sentiu-se o cheiro de café pela casa. Hora de se preparar.

Colocou a roupa que achou ser a mais adequada. Preferiu não olhar para o espelho.

Foi até a cozinha e a mãe já estava lá. Sentaram-se, ambos em silêncio, para o desjejum. A expressão sombria da mãe o assustava.

Queria quebrar o silêncio, mas não sabia como. Acabou perguntando: “Acha que Ana vai nos ver, nos perceber?”. Recebeu apenas silêncio e algumas lágrimas como resposta.

Ajudou a mãe com a louça e saíram. Mais silêncio.

Chegaram e olharam. Não era mais possível conter as lágrimas: de dentro da pequena foto, Ana fitava-os com seus grandes olhos verdes. Só agora media a saudade que sentira dela.

Deu-lhe as flores que comprara especialmente para ela. Violetas eram as suas preferidas.

Amparando a mãe, disse um novo adeus a Ana. E novamente pensou que não voltaria aquele lugar. Mas um pedaço de seu coração continuaria ali.

Entregou um lenço para que a mãe enxugasse as lágrimas. Ela comunicou-lhe que voltariam no ano seguinte. Teve uma sensação de pânico, mas conteve-se. Precisava conter-se.

Aquele fora o primeiro, mas não seria o último dia de finados a passar com Ana. E foram se afastando lentamente, enquanto a chuva recomeçava. Mas não sentiam os pingos de chuva, tudo o que sentiam era que grandes olhos verdes os fitavam do céu.
Fabiana
São Paulo, 24/08/2004

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Oi, pessoal! Estarei trabalhando neste final de semana, então não conseguirei postar histórias novas depois dos posts de hoje. Então até segunda e bom feriado.

A ÁRVORE

Eu devia ter por volta de sete anos. Nesse tempo, eu vivia em um quintal onde os vizinhos mais próximos eram meus parentes.

Nesse mesmo local há um pé de jabuticaba (ele existe até hoje). Uma das minhas alegrias de infância era subir nesse pé, principalmente se fosse tempo de aproveitar a fruta.

Numa tarde quente, após o almoço, resolvi subir na jabuticabeira e pegar algumas frutas de sobremesa. O pé estava carregado e meu tio, que era um de meus vizinhos, havia podado a árvore há pouco tempo.

A subida foi fácil, como sempre. Estava acostumada. Fiquei uma boa meia hora lá em cima, dividindo as jabuticabas com os passarinhos, que também eram fãs das frutinhas. Um passatempo bem agradável.

Na hora de descer, resolvi fazer o trajeto de costas para a árvore, para poder pegar jabuticabas durante a descida. Não era meu jeito habitual de descer, eu sempre ia de frente para a árvore e, chegando próxima ao chão, eu pulava. Mas nesse dia, muda o método de descida pareceu uma boa idéia.

Fui descendo tranquilamente, mas para meu azar, não percebi que a barra de minha camiseta havia ficado presa num galho recém podado e continuei descendo. Ao chegar no último galho, pulei como de costume. E então se deu a catástrofe: minha camiseta ficou presa no galho e eu fiquei pendurada pela camiseta, com os braços meio para cima, presos pelas mangas.

Primeiro fiquei em estado de choque. Nunca imaginei que isso pudesse acontecer. Ao recuperar a presença de espirito, tentei recuperar apoio para os pés, para poder subir e me soltar, mas o último galho havia ficado para trás e o tronco era escorregadio.

Em seguida, apelei para outro estratagema. Comecei a chamar pelas pessoas, minha mãe, minhas tias, meus primos. Mas ninguém me ouviu.

Depois disso chorei. E, depois ainda, me conformei e passei a esperar que alguém sentisse minha falta e procurasse por mim. Foi uma longa espera.

Por volta das 17h, um de meus tios chegava do trabalho e, naquele dia, não foi diferente. Fiquei tão contente que nem conseguia falar (um pouco pela felicidade e outra parte pela garganta seca, sem água há tanto tempo). Ele se aproximou e viu o que estava acontecendo, enquanto eu finalmente conseguia pedir a ele que me soltasse.

Mas, antes que eu pudesse pensar em sua atitude, ele começou a rir e saiu na direção contrária da árvore, chamando por minha mãe e por todos os meus parentes. Ele fez questão que todos me visse e, tenho certeza, se naquele tempo houvesse facebook ou qualquer outra rede social, ele teria colocado uma foto da situação.

Tentei manter a dignidade enquanto todos riam e ele me descia da jabuticabeira. Passe por todos de cabeça erguida e entrei em minha casa. Minha expressão deve ter mostrado algo de muito bom ou muito ruim porque ninguém nunca comentou o acontecido comigo. Nunca mais.

Foi uma experiência bem educativa, que me mostrou não importa se uma idéia lhe parece muito boa, ela pode dar errado. E, até hoje, desço dessa bendita árvore do modo convencional. Jabuticabas só no pé, nunca na descida.

Fabiana

Campinas, 12/11/2013

A OUTRA

Os dedos não paravam um instante sobre o teclado, respostas tinham que fluir com rapidez e o som do teclado enchia o cômodo silencioso.

Olhou para o relógio, talvez fosse melhor ir dormir. Foi até o quarto e viu a irmã que dormia, viu a própria cama vazia. Voltou ao computador.

Num susto, o pai lhe manda ir pra cama. De cara emburrada, entra no quarto e fecha a porta. Prepara-se para dormir: cabelo, cremes, limpeza. Olha para o espelho e gosta do que vê.

Ouve um som e vira-se para ver a irmã mover-se na cama. Novo silêncio.

Quando olhou novamente para o espelho, Luciana espantou-se, quem era aquela que a olhava de dentro do espelho? Não sabia quem era.

Diante do espelho não esboçava nenhum movimento, o tempo parecia ter congelado. E a outra continuava encarando Luciana.

Podia perceber o olhar envelhecido daquela jovem. Olheiras um pouco mais profundas, cara de poucos amigos, faltando algo em seu interior. O que faltava? Ainda não conseguia enxergar.

Quis falar com a outra, mas as palavras não saíam, mal movia os lábios. Sentiu a boca seca.

Uma angústia começou a crescer em seu interior, por que não era capaz de encontrar as respostas?

Teve um sobressalto, parecia que a imagem sorria-lhe, ela já sabia o porquê.

O que fazer para entender? Tocou o espelho e afastou-se de imediato: sentiu que a outra também a tocou.

Olharam-se nos olhos, um arrepio percorreu sua espinha.

Tocou em si mesma e pôde sentir a outra, confundiam-se, misturavam-se, quase se tornavam uma só.

Mesmo assim, não atingia as profundezas das duas almas, as mentes estavam afastadas.

Agora, sentia-se sufocar. Num rompante, correu até a mesa e ficou de costas para o espelho. No quarto ouvia-se apenas a respiração da irmã e o relógio.

Foi até o espelho e, de respiração suspensa, postou-se diante dele. Tudo que viu foi ela mesma.

Acenou, aproximou-se, esperou. A outra não voltou. Partira.

Terminou de preparar-se, deitou-se. Fez suas orações e apagou a luz.

O sono não veio logo, com os olhos abertos na escuridão ainda pensava na outra. Será que ela voltaria? Luciana tentou não pensar em nada, mas a imagem estava impressa em sua memória.

Finalmente adormeceu. Assim, não percebeu um brilho estranho no espelho, muito rápido e que não se repetiu.

A irmã abriu os olhos, pensou ter ouvido algo. Levantou-se sonolenta e acendeu a luz. Olhou para Luciana que dormia, olhou para o quarto. Não percebendo nada, apagou a luz e voltou a dormir.
Fabiana
São Paulo, 25/09/1997

quarta-feira, 13 de novembro de 2013


PÁSCOA

Com um olhar de dúvida, contemplava as embalagens coloridas dos ovos de chocolate. Se pudesse, definitivamente levaria todos.

Crianças corriam por todos os lados, carrinhos parados em todos os corredores, o supermercado estava lotado. No fundo, estava insatisfeita consigo mesma, se tivesse feito as compras com antecedência não teria que enfrentar essa confusão agora.

Pensou nos últimos dias e uma nuvem escura pousou em seus olhos.

Para ela, a desaprovação de sua família não fazia sentido. Há 2 semanas tinha falado para todos sobre um possível namoro e imediatamente todos foram contra, nem queriam saber quem era o rapaz. É verdade que todos sempre acharam que ela acabaria casando com seu amigo de infância, mas isso havia acabado há muito tempo, eles nada tinham em comum, uma vida inteira ao lado dele seria horrível. Mas sua família parecia não entender isso.

Lembrava-se de uma páscoa em tempos distantes, em que as 2 famílias estavam reunidas ela, então com 5 anos, dividia seu chocolate com o amigo. Sua mãe ainda guardava as fotos daquele dia.

Após longa discussão, ameaçaram ignorar o rapaz caso ela insistisse em levá-lo para o almoço de páscoa. Era tão difícil discutir com os pais.

Por outro lado, ele era um cara legal. Não deu muita bola quando começou a trabalhar com ele, mas quando o conheceu melhor mudou de idéia. E ele realmente gostava dela! Isso definitivamente não acontecia sempre.

Agora sentia um enorme desconforto ao imaginar que iria comprar ovos de páscoa para todos, entregar sem nem um sorriso e passar um domingo sem graça, de cara amarrada, se lamentando sobre como seria triste dar um fora naquele cara na segunda.

Uma criança, que corria com ovos nas mãos, se chocou contra ela. O baque tirou-a de suas reflexões, olhou para baixo e sorriu para o garoto e viu-o afastar-se correndo novamente.

Olhou novamente para as embalagens coloridas e o desconforto se tornou revolta: Por que teria que dar um fora nele na segunda? Na verdade, decidiu que não faria isso. Obedecera sua família por todos esses anos e nem isso eles eram capazes de entender?!? Não iria simplesmente aceitar dessa vez.

Com um olhar decidido, pegou apenas um ovo de chocolate. Dessa vez iria dividir com alguém que ela havia escolhido. E não iria ao almoço de sua família.

Com um sorriso, pegou o celular e ligou para a casa dos pais. Quando sua mãe atendeu, disse que não iria para a casa deles no domingo e desligou antes de ouvir os protestos da mãe.

Teria um encontro de Páscoa e ainda terminaria o feriado com um namorado.

Com uma sensação de paz, caminhou pelo supermercado em direção ao caixa, enquanto 2 crianças brigavam por 1 ovo de páscoa.

Fabiana

São Paulo, 07/04/2008

DA ARANHA

Noite dessas, estava lavando a louça, como todos os dias, após o jantar, quando a água parou de descer pelo ralo. Todos já passaram pelo incômodo de uma pia entupido e imaginam o meu desgosto com a situação.

De qualquer forma, peguei o desentupidor para resolver o problema o mais rápido possível, até porque já era tarde da noite e eu tinha pressa em dormir para levantar cedo no dia seguinte.

O ralo da minha pia não é totalmente vazado, ele tem uma “gradezinha” que deixa pequenos vãos. Então, aos poucos, pequenas sujeirinhas iam refluindo pelos vãos. Mas a situação começou a me intrigar: apesar de diminuir um pouco, a água não descia. Quase desesperador.

A certa altura, comecei a fazer mais pressão com o desentupidor e percebi algo refluindo. Continuei o processo e, para minha surpresa, surgiram dias patas enormes e finas nos vãos do ralo.

Qual não foi meu terror ao perceber que o que estava entupindo minha pia era uma enorme aranha morta! Diga-se de passagem, eu suponho que estivesse morte, já que não fiquei olhando para confirmar essa informação.

Meu medo de aranhas é antigo. Já passei por outras situações bizarras envolvendo aranhas e a cada dia detesto e temo mais essas criaturas.

Neste momento de terror, fiz o que qualquer pessoa sensata faria: liguei para minha mãe. Sei o que todos vão pensar, mas foi a única coisa que me ocorreu no momento.

Ao explicar minha situação, primeiro recebi risos em resposta. Sério, eu não precisava disso.

Então, depois de meditarmos juntas por algum tempo, concluímos que a melhor solução era ferver água e despejar no ralo, já que nem se cogitava a possibilidade de enfiar a mão no ralo para tirar a aranha.

O processo de fervura pareceu durar uma eternidade. Assim que vi as tão esperadas bolhas, rapidamente despejei a água quente no ralo e tudo foi tragado pela escuridão do ralo. A pia desentupiu e tudo se estabilizou.

Terminei de lavar a louça, comuniquei minha mãe do sucesso da empreitada, postei o ocorrido no facebook (não me julguem) e fui dormir.

Minha pia permanece estável e desentupida desde então.

Mas até hoje uma dúvida me intriga: como essa aranha foi parar lá?

Fabiana

Jaguariúna, 09/11/2013

TARDE DE QUARTA-FEIRA

Naquele fim de tarde, o Sol parecia uma grande laranja pendurada no céu. Acabou sorrindo diante dessa idéia: era estranha, mas simpática.

Ainda se repreendia por ter escolhido aquele caminho. Por acaso havia esquecido como a Paulista fica congestionada? Agora, tudo que podia fazer era ter paciência.

Ligou o rádio para descontrair, gostava de música. Colocou um CD e esperou o carro da frente mover-se.

Começou a lembrar dos acontecimentos do dia. Trabalhara muito, estava exausta. Por causa de um acidente na região, o hospital ficara cheio, os médicos não tiveram um minuto de sossego. Definitivamente levava uma vida difícil.

Seguia o caminho para casa. Com certeza seus pais já estariam assistindo a novela e a irmã, fazendo o dever de casa. Quando chegasse, tomaria um banho quente e depois jantaria sozinha.

Provavelmente, iria ler antes de dormir. E, ao invés de se confortar com esses pensamentos, sentia um grande desânimo e um tédio maior ainda.

E se não fosse para casa? E se, simplesmente, não fizesse o que todos esperavam dela? Mas, se não chegasse, os pais ficariam preocupados. A irmã podia ter dúvidas sobre a lição e precisaria de sua ajuda. Não havia nada que pudesse fazer.

Olhou distraída para a calçada e reparou em um cego que caminhava apenas com a ajuda de uma bengala.

Como se estivesse hipnotizada, não conseguia desviar os olhos daquele cego. Seu olhar adquiriu um brilho diferente, já não ouvia a música que vinha do rádio.

De repente, o cego tropeçou em algo e caiu. As pessoas passavam e não faziam nada para ajudá-lo, ao contrário, pareciam ignorar sua presença. Por que ninguém o levantava? Por que ninguém se manifestava?

Não suportou mais aquela situação: saiu do carro e foi ajudar o Cego a se levantar. Perguntou se estava machucado e devolveu-lhe a bengala.

Voltou para o carro sentindo-se bem, leve. O trânsito agora se movimentava um pouco mais. Pegou o celular e ligou para o namorado, estava indo para o apartamento dele. Percebeu que ele estava surpreso, sorriu.

Ligou para os pais e avisou que não ia dormir em casa. Os pais pareciam não entender, ela não avisara que tinha plantão naquela noite. Ela disse que não tinha e desligou. Gostou de sua decisão.

Já estava escuro e ela pôde ver as estrelas e a Lua, apesar da camada de fumaça que pairava no ar. Achou a Lua crescente mais linda do que nunca. Aquela seria uma noite especial.

E o Cego continuou caminhando até o ponto de ônibus, pediu ajuda para pegar um ônibus que fosse para a Lapa.
Fabiana
São Paulo, 12/09/2005

segunda-feira, 11 de novembro de 2013


O CACHORRO

Num domingo, resolvi sair para uma caminhada. Comecei a pouco tempo a prática de atividade física regular e achei que seria interessante ocupar uma parte do dia me exercitando.

De boné, fones de ouvido, protetor solar, toalha para secar o suor... Estava tudo em ordem.

O local escolhido foi uma praça, perto de minha moradia. Local agradável e sempre cheio nos finais de semana.

Durante meu trajeto, vi uma família à uma certa distância, em que os pais observavam os filhos brincarem com os cachorros.

Um menino, que devia ter oito anos de idade, segurava a coleira de um cachorro caramelo, porte médio, que lembrava um labrador. Uma menina, que devia ter doze anos de idade, segurava a coleira de um cachorro preto, também porte médio, que não faço idéia da raça.

Ao passar por essa família de comercial, os cachorros passaram a latir em minha direção. Para meu azar e surpresa, com o susto, o menino soltou a coleira do cachorro caramelo, que não teve dúvidas em saltar em minha perna e me morder. Com a dor, acabei chutando o cachorro, que correu.

Os pais imediatamente vieram em minha direção, dizendo que o cachorro era vacinado. Mas, oras, esse não era o ponto.

O pai rapidamente colocou todos no carro, inclusive os cachorros, e fugiu sem deixar nenhum contato.

Em resultado, ganhei soro e vacinas antirrábicas. A título de curiosidade, o soro é calculado pelo peso e aplicado no subcutâneo, de preferência na região da mordida.  São 5 doses de vacina, que não são aplicadas na barriga e sim no braço.

Se eles tivessem deixado um contato isso não teria acontecido. Era só observar o cachorro por dez dias e, se ele não apresentasse sintomas de raiva nesse período, eu não teria que tomar nada.

No fim, me saí mal. Ganhei machucados, dor e preocupação. Fico tentada a dizer que esse negócio de atividade física não faz bem à saúde.

Fabiana

Jaguariúna, 09/11/2013

O TRABALHO

Sendo vergonha ou não admitir, comecei a trabalhar a pouco tempo. Isso se pensarmos trabalho como emprego remunerado.

Mas isso é uma coisa muito relativa: minha mãe deixou o emprego que tinha quando eu nasci e passou a cuidar da família e da casa. Nem por isso acho que ela não trabalha. Muito pelo contrário, acho que ela trabalhou muito na vida.

No meu caso, acho que trabalhei muito estudando e batalhando para conseguir o emprego que tenho hoje.

A questão é que remuneração financeira só com emprego e não especificamente com trabalho. E, convenhamos, essa é uma parte importante.

Mas depois de passar pela experiência de trabalhar (emprego), acho que as pessoas que enaltecem tanto o trabalho estão exagerando um pouco.

Sem mal-entendidos: eu adoro meu trabalho, não consigo me imaginar fazendo outra coisa na vida, mas ficar em casa vendo um filme, lendo um livro, ir ao shopping, ao cinema ou qualquer outra atividade recreativa também são bem interessantes.

Não consigo entender muito bem a lógica dos workaholics: trabalhar muito para ter uma vida melhor. Mas se você não tem uma vida fora do seu trabalho, isso não faz muito sentido. Talvez fosse melhor admitir de uma vez que a sua vida é o seu trabalho.

Acho que há espaço para todas as opiniões acerca do tema. Mas, na minha opinião, ao completar quase um ano de trabalho remunerado, a melhor parte de trabalhar ainda é tirar férias.

Fabiana

Jaguariúna, 09/11/2013

domingo, 10 de novembro de 2013


DA DIFICULDADE EM ENCONTRAR SIMPLICIDADE

Dia desses, saí para o que pensei ser uma tarefa bastante prosaica: comprar uma calcinha. Dessas confortáveis, do dia-a-dia.

Fui a um conhecido shopping, acreditando cumprir minha meta com rapidez e sem delongas.

Ao entrar na primeira loja me deparei com uma infinidade de rendas, cavas e transparências, que não era o que procurava, queria alguma coisa mais simples.

Para meu crescente espanto, a cena se repetia a cada loja: rendas, transparências, cores neon (!?!), fios-dentais, cavas imensas... E nada da boa e velha simplicidade de algodão.

Comecei a me questionar: será que agora as mulheres andam o tempo todo assim? Onde foi parar a tradição das calcinhas confortáveis do dia-a-dia e as especiais, guardadas para ocasiões bem selecionadas?

Nem sei dizer em quantas lojas entrei, quantos cabides olhei. Sem falar no olhar desconfiado das vendedoras, que se ofereciam para me ajudar, quando eu dizia o que estava procurando. Me senti até um pouco alienígena.

Em uma das lojas, a vendedora me questiona: mas por que você quer uma mais simples se estas são tão bonitas, incrementadas? Aparentemente, a simplicidade está em baixa.

Minha busca se estendeu por mais algum tempo, sempre encontrando coisas diferentes, mas não o que eu procurava.

Ao cabo de algumas horas, depois de muita caminhada e um sorvete, desisti. Sim, voltei para casa sem o item desejado. Afinal, depois de tantas frivolidades festivas, minha simplicidade pareceu descabida. Vai ver a simplicidade não está na moda.

FABIANA

Jaguariúna, 21 de setembro de 2013.